quarta-feira, 21 de setembro de 2011

De bestial a besta

COM MÚSICA



Era bom que todos os seres humanos conseguissem viver em paz e harmonia uns com os outros. Infelizmente, por mil e duas razões, esta não é uma realidade no nosso mundo.
As pessoas desentendem-se, chateiam-se, zangam-se, desiludem-se...
Quanto mais alto tiver sido colocado aos nossos olhos aquele com quem nos incompatibilizamos, maior será obviamente a queda.
Qualquer rotura provoca dor, mágoa, ressentimento...

Tenho vindo a reparar, não só por observação dos que me rodeiam, como inclusivamente por auto-análise que, nessas situações, temos tendência a tornar-nos extremistas.
A imagem do outro vai-se rapidamente denegrindo aos nossos olhos, assomando-se-nos o seu lado menos agradativo. Vamos-lhe progressivamente retirando valor... até que um dia damos por nós a considera-lo uma perfeita besta.

Não tenho conhecimentos de psicologia que me permitam fazer interpretações sobre a razão de ser deste fenómeno. Arrisco-me talvez a sugerir que possa ter alguma coisa a ver com o instinto de auto-protecção, com o facto de serem mais fáceis de suportar os sentimentos nefastos que a situação envolve, se o outro fôr efectivamente uma cavalgadura. 
Não sei...

Salta no entanto à vista que dar redea solta a este impulso, aparentemente natural no bicho homem é, por razões várias, muito indesejável, tornando-se imprescindível controla-lo.
Senão vejamos...

Se com a pessoa em questão nos relacionámos anteriormente com algum prazer, por alguma razão há de ter sido.
Podem entretanto ter acontecido variadíssimas coisas que tenham gerado sentimentos negativos e até se podem inclusivamente ter descoberto facetas que não se suspeitavam, mas algo de positivo há de ter.
Parece-me importante que o consigamos continuar a ver.

Notem que não estou de todo a sugerir que viremos Madres Teresas... parecem-me perfeitamente legítimos sentimentos de raiva, de traição, de injustiça, de revolta, de desilusão, de desprezo, etc, relativamente a certas situações.
São aliás, na minha opinião, tão importantes nas nossas vidas como os outros, os que nos dão prazer. Mas isto é conversa para outro post...
Parece-me simplesmente fundamental que, em qualquer processo, mantenhamos a capacidade de ver a cores.

Se não o fizermos, isso irá afectar o nosso passado (*), presente e futuro...

PASSADO:
Se encararmos o outro, no presente, como sendo uma perfeita besta, isso irá reflectir-se na nossa noção de passado.
Chuta-lo do pedestal para a sarjeta, sem passar pela casa partida e sem receber os dois contos, começa por não abonar grande coisa a favor do nosso discernimento.

Por outro lado, de repente passamos a atribuir-lhe atitudes, posturas, pensamentos e intenções com retro-activos, que possivelmente não existiram. 
Vamos aos poucos apagando da mente os bons momentos, até só quase restarem os desagradáveis. Interiorizamos o que significou para nós, à luz da forma como o vemos hoje, o passado perdendo qualquer peso.

Assim, passamos a encarar um caso de amor como um erro crasso, uma proposta de emprego como uma oferta envenenada, uma amizade como uma ilusão.
Há coisas que acabam e ás vezes, infelizmente, acabam mal.
Não devemos no entanto deixar que o fel do presente envenene a memória do passado.

PRESENTE:
Encarar o outro como se fosse o pai de todos os males, também não traz bem nenhum ao presente, pois deixamos de conseguir ver com clareza.

É um clássico, por exemplo, atribuirmos todos os “males” à persona non grata, isentando à partida quem a rodeia.
Ora se alguém tomar o seu partido, se assinar por baixo das suas ideias, se subscrever a sua postura, se apoiar a sua atitude, não será uma falta de consideração pelo mesmo, partir do princípio que está, de alguma forma, a ser manipulado? Não será uma visão demasiado simplista?! Onde colocar então o livre arbítrio?

Outra coisa recorrente é a mania da perseguição. O outro pode não estar nem aí mas, como é mau como as cobras, uiiiii, o mais certo é que tudo o que faça seja para lixar alguém em geral e provavelmente nós, em particular.
É a visão que os filmes nos dão do “mau da fita”, das Glenn Closes, que se imiscuem nas nossas vidas.  
No mundo real, há muito menos gente a congeminar para f... o próximo do que possa parecer. Não é, que não possa acontecer, mas a maior parte das coisas, na realidade, acontece por acaso e não por premeditação.

FUTURO:
Ás vezes temos a sorte de nos incompatibilizarmos com pessoas que podemos descartar das nossas vidas. Pomos um ponto final, damos um passo em frente e seguimos caminhos separados.
Infelizmente nem sempre é assim. A pessoa em questão pode, por exemplo, trabalhar no mesmo sítio que nós ou, pior ainda, ser o/a pai/mãe dos nossos filhos.

Se não conseguirmos ver neles nada de positivo, como irão ser as relações que obrigatoriamente iremos continuar a ter? O que iremos transmitir ás pessoas que convivem com ambos? Que ambiente iremos gerar, se reinar a desconfiança, a falta de crédito, a constante presunção de más intenções? 
Ninguém é completamente bom, nem completamente mau. É importante que consigamos ver alguma coisa em cada prato da balança.
Senão, citando o Capitão Blight (private joke, sorry) "a nossa vida é um inferno".

Concluindo, o outro, seja lá ele quem fôr, mesmo que a nossos olhos se tenha portado mal, mesmo que tenhamos descoberto a seu respeito traços de carácter que não se coadunam connosco, mesmo que nos tenha de alguma forma magoado, merece o benefício da dúvida.
Talvez não o mereça por ele, mas merece-o garantidamente por nós, pela nossa paz de espírito. ;)



(*) O post de hoje era para ter sido escrito na semana passada, mas esta história do passado pareceu-me demasiado “grande” para caber dentro de outro post. Decidi assim escrever o outro primeiro. ;)



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