segunda-feira, 22 de julho de 2013

Pertencer



Todos, volta não volta, sentimos que não pertencemos a determinado lugar ou situação…
Eu, por exemplo, vivi cerca de dois anos em França, em Chamonix, lugar de sonho para esquiadores e montanhistas, tendo a nítida noção que, por muitos anos que lá ficasse, nunca me iria conseguir sentir realmente bem.
Mas não tem só a ver com sítios, por exemplo, durante o meu período de Coimbra, fui a uma que outra imposição de insígnias e de cada vez me senti completamente deslocada por entre títulos e doutores.

Há quem tenha espírito nómada, quem vagueie livremente pela vida, sem gostar de criar raízes, ligações fortes a pessoas ou lugares.
Eu gosto muito de “pertencer”, aquece-me o coração, gosto da sensação de conforto e aconchego que advêm de nos sentirmos “em casa”.

Tudo isto é também obviamente válido relativamente às pessoas com quem partilhamos a vida.
O meu “lançador de santolas” gosta muito de afirmar que não alinha em “grupos” (não é esse tipo de grupos…lol) statement que faz com alguma regularidade, fazendo-me pensar no Pinóquio.
A realidade é que a ele (neste caso o nosso grupo de amigos) pertence e se entrega de corpo e alma e o resto é conversa.

Gosto de ter um grupo de amigos, as amizades individuais também são obviamente importantes, mas gosto mesmo de sentir que pertenço a uma matilha.
Os amigos sendo “a família que escolhemos” gosto de ter “aquele” grupo de pessoas com quem vou partilhando tudo ao longo da vida.

Estes grupos vão mudando ao longo do tempo nos indivíduos que os compõem, entrando  uns, saindo outros, voltando alguns, ao sabor dos caminhos que a vida nos apresenta.
Há no entanto normalmente um núcleo duro que se vai mantendo ao longo do tempo, dando estrutura àquele ninho, mantendo-o coeso.

Gosto de continuar a ter ao meu lado aquele careca que conheci de cabeleira afro. De lhe ter conhecido praticamente todas as namoradas,  de poder comentá-las com quem também as conheceu, por exemplo o outro senhor de cabelo ralo que também por cá ainda anda.  
Gosto de ter estado presente quando entraram para a faculdade, quando tiraram a carta, quando se apaixonaram, casaram, tiveram filhos.
Gosto de ter estado lá para os apoiar nos seus momentos mais difíceis e que tivessem estado comigo nos meus. Gosto que tenhamos partilhado ou celebrado juntos todo o tipo de alegrias.
Gosto de rever as mesmas caras nas fotografias, dos casamentos, dos baptizados, dos aniversários, a perder cabelo e ganhar barriga, a acumular rugas e cabelos brancos, mas que para nós, de certa forma, parecem não ter mudado.

Gosto do revirar de olhos geral quando alguém conta pela milésima vez uma história que já todos conhecem. Ou, pelo contrário, quando começamos a completar as histórias uns dos outros, transformando a conversa numa orgia de recordações. Gosto que uns se lembrem de uns detalhes e outros de outros, compondo assim a narrativa. Gosto do facto de nos lembrarmos das mesmas situações, dos mesmos eventos, das mesmas pessoas, quando olhamos para trás.

Gosto que todos conheçam o historial uns dos outros, permitindo assim um relacionamento sem grandes surpresas, em que já se conta com os pontos fracos e fortes de cada um, as suas idiossincrasias, os seus gostos, os seus hábitos.
Gosto que já tenhamos chegado á conclusão daquilo que gostamos de fazer uns com os outros, no nosso caso essencialmente jogar até à exaustão… lol

Gosto que os nossos filhos tenham nascido e crescido juntos.
Gosto de olhar para uma viga de quase dois metros, encartado e com barba, e pensar que ainda ontem estava a mandar bolas para cima do nosso tabuleiro de jogo.
Gosto de ver o meu filho a observar as meninas do grupo já com alguma malícia no olhar.
Gosto de pensar que com a idade de alguns deles, já alguns dos pais se conheciam e acho graça a compara-los.

Gosto de ter um número de pessoas que incluo automaticamente em qualquer convite para “eventos” de grupo, sem ter de pensar, sem ter de escolher, aquele que consta, em qualquer telefone, da lista de speed-dial.
Gosto da noção de que alguns dos “satélites” irão seguir o seu caminho como membros integrantes do grupo, deixando ás tantas de ser a namorada do amigo, o amigo do namorado, o amigo da amiga para passar a ser ele próprio.

Sim, assumo completamente, sofro de um complexo de “Amigos de Alex”…
Mas alguém que já tenha experimentado pertencer a uma destas famílias por opção pode afirmar que não é bom?!
Há quem se importe de se sentir integrado num grupo onde as pessoas se conhecem e aceitam tal qual são?
Quem não dê valor a uma continuidade ao longo dos anos, das décadas, das várias fases da vida?
Quem não aprecie o facto de ter a seu lado um punhado de gente unida, que se preocupa e apoia mutuamente, criando uma rede de segurança emocional?

Sim, há lobos solitários… mas o bicho homem foi na sua maioria feito para viver em matilha, para “pertencer”, ninguém me convence do contrário. ;)





COM MUSICA
The Rembrandts - I'll Be There For You

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terça-feira, 2 de julho de 2013

Partir em paz.



Ao fim de cerca de um ano de luta, mais uma jovem perdeu a guerra contra o cancro…
É das tais notícias que não gostamos de receber.
Não a conhecia pessoalmente, só aos irmãos mais velhos, que quem me informou disse estarem destroçados, outra coisa não sendo de esperar.

Dirigi-me ao velório, como a tantos outros antes, com um grande aperto no coração, sobretudo tratando-se de uma família tão próxima do mesmo.
Preparei-me para enfrentar um ambiente pesado, angustiante.

Surpreendentemente não foi com o que me deparei.
Havia muita dor, muita tristeza, sim, mas acima de tudo senti no ar uma coisa de que não estava  de todo à espera: paz.
Estamos a falar de uma mulher com menos de quarenta anos, casada, com dois filhos pequenos, ao que tudo indica realizada e feliz. Estamos a falar, referindo-me só a quem conheço, de dois irmãos mais velhos, protectores e amigos da mana caçulinha.
Dramático é um adjectivo que me vem imediatamente à cabeça.

Ao falar com eles percebi o que se tinha passado e voltei para casa com um imenso sentimento de admiração por aquela família .
Aparentemente ela mostrou-se corajosa e lutadora durante todo o percurso. Enfrentou as provações com optimismo e força, esperando pelo melhor e preparando-se para o pior. Foi-se sem aparente mágoa ou revolta.
Ao fazê-lo, ao demonstrar que aceitava serenamente o seu destino, transmitia o mesmo sentimento a quem estava à sua volta. Ajudando-os assim, ainda em vida, a encetar o caminho que os levará a superar a sua perda.

Parece-me no entanto aqui bastante evidente a questão “ovo ou galinha”…
Ninguém, julgo eu, consegue atingir esta paz de espírito se não tiver uma estrutura de ferro à sua volta. A doença debilita e a ideia do que possa vir a acontecer só pode assustar, não são propriamente fontes de força e segurança. Sem apoio, tanto físico em termos de infra-estrutura e logística, como psicológico e emocional, tenho as minhas dúvidas que alguém se aguente.

Tive assim uma lição de vida, uma demonstração do poder do amor e bom senso conjugados.
Aqueles dois irmãos não me pareceram destroçados, não. Pareceram-me serenos e com força para enfrentar a vida que os espera sem ela. Pareceram-me felizes de a ter visto partir assim, em vez de gesticular e bater com os pés. Senti neles, em ambos, a sensação de terem feito tudo o que esteve ao seu alcance para lhe minimizar o sofrimento e ajudar a enfrentar a situação em todos os passos do caminho.
Senti sobretudo, relativamente a todas estas pessoas, que tinham pacificamente aceite a morte como parte integrante da vida.

Desejo-lhes que logo que possível a dor abrande o seu jugo para poderem mais levemente continuar os seus caminhos.


Carpe Diem

COM MÚSICA
Eric Clapton - Tears in Heaven

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