quinta-feira, 9 de junho de 2016

De cavalo para burro



Não vivemos tempos nada fáceis, raios os partam…

Pessoalmente não me lembro de nenhum período em que tanta gente, de todas as camadas sociais, tivesse de fazer downgrade ao seu estilo de vida.
Passar de cavalo para burro, como se costuma dizer, é terrivelmente penoso.

Há tempos falavam-me de alguém que, coitadinho, tinha descido de tal forma na vida, que hoje em dia já só tinha X€ por mês para viver.
Afluíram-me imediatamente à cabeça palavras começadas por F… bips de censura e ###s... pois com essa “miséria” nós cá em casa aguentávamo-nos mais de seis meses!!!

No entanto, depois de recuperada do meu ataquezinho de inveja polvilhado de self-pitty, conhecendo a pessoa em questão e aquilo a que estava habituada, dei-me conta que deve de facto ser lixado.
De onde partimos, neste caso, não altera em nada a situação, é o sentimento de perda que custa. A morte de um filho tanto dói a quem tenha dez, como a quem tenha um…

O que nos agrada, nos atrai, e não temos; encanta-nos, faz-nos sonhar, motiva-nos até. Aquilo que apreciamos e sem o qual ficamos; dói.
Estou absolutamente convencida que seja muito mais duro perder a visão do que nascer cego, perder um grande amor do que nunca o ter vivido, viver debaixo da ponte quando já se teve uma casa… o termo de comparação é que dá cabo de nós.

Dito isto, a vida são dois dias, pelo que é bom que os aproveitemos (ambos…lol) da melhor forma possível. Para além disso, não há dúvida que estas situações são excelentes oportunidades de crescimento interior.
Não sendo de forma alguma fáceis, não precisam também, a menos de casos extremos, de se transformar em dramas. O sofrimento não vai melhorar a nossa situação, antes pelo contrário, há portanto que tentar atenua-lo na medida do que nos for possível.
Para além disso, realidade é que se consegue viver, e bem, com muito menos do que aquilo que julgamos.

O truque começa por nos habituarmos a olhar tendencialmente para baixo e não para cima. Se é verdade que há quem tenha muito mais do que nós, há também quem tenha francamente menos e é preciso ter essa noção para conseguirmos pôr as coisas em perspectiva.
Matutar sobre o que nos faz falta, provoca sentimentos de frustração, de revolta, azeda-nos a alma. Dar valor às coisas boas que  temos, gera uma sensação de reconfortante gratidão.
Se para além disso interiorizarmos que há coisas muito mais graves do que as questões materiais, que há quem se debata com problemas de saúde, quem tenha de lidar com a morte de entes queridos, etc… ver o copo meio cheio tornar-se-há mais fácil ainda.

Assumir a nossa situação, a meu ver, também ajuda bastante. Não estou a sugerir que ponhamos um anúncio no jornal mas passar por dificuldades, ainda para mais numa altura em que isso é o pão nosso de cada dia para tanta gente, não é vergonha nenhuma.
Parece-me importante sobretudo para que não esperem de nós aquilo que não podemos dar.

Estou a rever o Friends com o meu filhote. Nem a propósito, o episódio de ontem era justamente sobre o tema das dificuldades financeiras.  Três deles ganham bem, enquanto que os outros três contam tostões, não conseguindo acompanhar o estilo de vida dos primeiros, criando-se assim um fosso que divide o grupo.
Inútil será dizer, spoilerrr, que tudo acaba por se resolver.

Nesse sentido, estas alturas até são fixes para separar o trigo do joio; um verdadeiro amigo não se chateia por não conseguirmos acompanha-lo ao restaurante da berra, aparece-nos em casa e traz o jantar… ;)
Meter o orgulho no saco (para não dizer noutro sítio) e aprender a aceitar a ajuda alheia e a apreciar genuinamente os miminhos que nos queiram fazer, ajuda muito a aguentar o barco.
Tudo custa sempre mais quando nos sentimos sozinhos, desamparados. Se nos isolarmos sentiremos muito mais o peso da nossa condição.

Mudam-se os tempos, há que  mudar de vida.
Tentar manter os padrões aos quais estávamos habituados só nos levará ainda mais ao buraco.
Há que encarar o facto que quando não há guito, não há palhaço mas, se nos deixarmos de vergonhas, podemos perfeitamente manter uma vida socialmente activa e gratificante.
Não podemos ir ao restaurante? Jantemos em casa, cada um traz qualquer coisa.
Não dá para ir ao cinema? Combinemos uma noite de jogo.
Não temos dinheiro para oferecer uma prenda decente? Organizemos uma vaquinha.
Há sempre soluções alternativas.

Se vos dissesse que estou satisfeitíssima com a minha condição actual, estaria a mentir, custa-me, custa-me para caramba, sobretudo porque já conheci outro tipo de vida, lá está.
Agora não posso negar que, a necessidade fazendo o engenho, muitas coisas positivas nasceram deste apertar de cinto.

Organizo regularmente aquilo a que chamamos “Chás das trocas”, simpáticos convívios em que cada um trás coisas que já não quer e leva para casa o que lhe apetecer. Fazemo-los temáticos; de roupas e acessórios, de livros, de coisas para a casa. São sempre muito concorridos e animados, com a enorme vantagem de o que sobra ser entregue a causas de solidariedade.

Passei a fazer eu montes de coisas em vez de as comprar; roupas, bijutaria, sacos, malas, almofadas, candeeiros, objectos vários, prendas para os amigos… na maior parte dos casos reutilizando materiais que já tinha em casa ou que me dão. Não imaginam o gozo supremo que me proporcionam estas manualidades.

Desenvolvi jeito e gosto pela jardinagem. Trago pés e rebentos de casa dos amigos, apanho-os na rua, no “lixo” da jardinagem da zona e planto-os em casa. Reproduzo as plantas, seco folhas e flores, aproveito-as para decoração, ofereço-as.

Isto só para dar os exemplos mais flagrantes do lado positivo da coisa.


Não consigo olhar com rancor ou azedume para belos corcéis, sinto-me feliz por eu própria já ter montado uma pileca e dou graças pelo meu burrito, que há quem ande toda a vida a pé. ;)



COM MÚSICA


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