Cada vez mais me convenço de que a nossa qualidade de vida
passa enormemente pela coragem com a qual enfrentamos o dia a dia e dei-me
conta de que dela precisamos para uma infinidade de pequenas coisas que temos
de enfrentar no quotidiano.
Observo, no entanto, que embora a
tenhamos frequentemente entre os dentes (estou a ganhar coragem… para ir à água,
para fazer o jantar, para voltar ao ginásio…), dela fazemos na realidade muito
menos uso do que seria desejável,
para o nosso próprio bem. Parece-me, na verdade, que mais frequentemente
“fugimos com o cu à seringa” do que “enfrentamos
o touro pelos cornos”,
relativamente aos mais variados assuntos.
Precisamos de coragem para nos assumirmos tal como somos, com as nossas características, forças e fraquezas, defeitos e qualidades. Precisamos de
coragem para assumirmos as nossas ideias e opiniões, as posturas em que acreditamos, para fazer aquilo que consideramos correcto em vez do
que “toda a gente faz”. Precisamos de coragem para nos atirarmos para fora de pé, apostarmos ou investirmos em alguma
coisa, sem qualquer garantia de sucesso. Precisamos de coragem para enfrentar problemas e situações complicadas de resolver, para tomar decisões difíceis, para
mudar aquilo que achamos dever mudar. Enfim… podia
aqui ficar umas horas pois precisamos de coragem para quase tudo.
Mas porque é necessária coragem?! Porque somos humanos, temos
as nossas fraquezas, as nossas fragilidades, as nossas inseguranças. A vida não vem com manual de instruções, nem
sempre sabemos o que fazer, como agir perante determinada situação. Quando nos sentimos agredidos,
ameaçados, intimidados, ás vezes o instinto é fugir, salvaguardarmo-nos. Certas
realidades são duras, difíceis de encarar, ás vezes é mais fácil tentar
“tapar o sol com a peneira”. Fazer parte de uma minoria, seja
ela qual for, ter a impressão que “todos” estão contra nós, não é também coisa
evidente. Tal como não o é assumir riscos ou considerar
eventuais consequências desagradáveis das nossas decisões.
A sensação que tenho é de que,
infelizmente, o comum dos mortais não tende
a ser propriamente corajoso, muitas vezes sem que tenha sequer consciência disso. A noção de coragem sendo geralmente
associada a grandes feitos heroicos, não nos
damos conta da quantidade de pequenas cobardias a que nos entregamos
constantemente. Quem nunca as praticou que atire a primeira pedra. Começam logo na infância e, se não lhes
pusermos travão, não irão parar
nunca.
Putos deixam que outros arquem
com as culpas dos seus actos para não lhes sofrerem
as consequências. Adolescentes, fartos
do amor da sua vida da semana anterior, fazem-lhe a vida num inferno de modo a
serem estes a pô-los com dono. E a coisa
segue por aí… há quem na intimidade se revolte, se choque, se exalte mas, perante
o(s) alvo(s) da sua indignação,
acabe por "meter a viola no saco" e ficar caladinho que nem um rato, remoendo
para dentro. Há quem esteja sempre a
inventar desculpas ou, pior ainda, a ignorar os outros, simplesmente por não saber dizer que não, por exemplo. Quem seja incapaz de
educar, pois quantas vezes isso não custa
mais ao educador do que ao educando. Quem siga a teoria de que a melhor defesa é o ataque, porque raios o partam se vai reconhecer alguma falha da sua
parte. Quem tenha tantas caras que o próprio
espelho ás vezes tem dificuldade em
reconhece-lo.
Mas na realidade, as micro-cobardiazinhas,
por serem muitíssimo mais comuns, muitíssimo mais frequentes, é que acabam por nos corromper o dia a
dia. Vá, confessem, quantas vezes não deixaram de atender um telefonema
(ou pelo menos se sentiram tentados a fazê-lo)
por preconizarem chatices. Quantas vezes não deixaram
de fazer pequenos reparos ou criticas para não se
aborrecerem ou não evitaram conversas que os
deixam desconfortáveis ou ansiosos. Quantas
vezes não deixaram para amanhã o que podiam perfeitamente ter feito
hoje.
Acredito que, no geral, a maior
parte de nós seja como os gatos; quando
perseguidos, fogem até não poderem mais, só quando literalmente encostados à parede fazem frente. Mas nessas
alturas há, frequentemente, surpresas,
descobrem-se forças desconhecidas, capacidades
insuspeitadas. Há muitos anos, uma siamesa que
tive, nesta situação, fez num oito o focinho de
um pastor alemão que tentou abocanha-la.
Não querermos encarar aquilo com o que temos efectivamente de
lidar, a meu ver outro erro comum, amplifica todos os nossos receios. Para além de que enfiarmos a cabeça na areia como a avestruz deixa partes sensíveis à mostra. Apesar de
tudo, é muito mais fácil de enfrentar um leão do que o bicho papão, pelo menos sabemos com o que temos
de lidar.
As boas notícias são que
quanto mais corajosos nos obrigarmos a ser, mais facilmente iremos conseguindo sê-lo. Já dizia
não sei quem que “a coragem é um músculo
que se fortalece com o uso”. Viver
a vida corajosamente é uma
decisão, uma escolha. Olha-la no
olho, arregaçar as mangas e enfrentar o
que se nos apresenta pela frente, é muito
mais fácil do que imaginamos. As coisas tendem geralmente a correr melhor do que
esperávamos e o “pior
que pode acontecer” na maioria das vezes não acontece.
COM MÚSICA
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