terça-feira, 10 de abril de 2018

História de um processo criativo



Várias pessoas me têm perguntado como é que  “funciono”, como me vêm as ideias, se sei há partida o que quero fazer, se as coisas saem sempre como as imaginei, etc… para esses, decidi escrever este post. ;)
Para a minha exposição, decidi fazer um quadro onde constassem todas as técnicas que utilizo. Como poderão imaginar, não é fácil…
Nota: Isto sendo uma história, se saltarem já para o fim do post, para verem o dito cujo, é como se fossem ler o fim do livro… tsss tsss
Comecei por pensar no macramé, talvez o mais difícil de misturar com tudo o resto, e vieram-me imediatamente à cabeça cortinas vermelhas. Confesso que foi no mínimo estranho, dado não apreciar grandemente o macramé colorido, preferindo-o sempre naquele branco sujo clássico. Atribuo-o assim a uma qualquer inspiração divina. lol
Cortinas vermelhas, cortinas vermelhas… Teatro!!! Teatro, de caras… uma boca de cena… um palco de madeira tosca… um cenário naif qualquer ao fundo, uma(s) figura(s) em primeiro plano…  Teatro, que fez tão intensamente parte do fim da minha adolescência, o ambiente dos camarins, o público a chegar, o trac antes do espectáculo… sim, que mesmo só tendo feito parte da equipa dos cenários e guarda roupa, também sentia trac antes da estreia… Está decidido, vai ser uma boca de cena!
Notem que esta decisão demorou várias semanas, muitas noites passei sem conseguir adormecer, a matutar sobre o assunto…
Já tinha decidido o tamanho do quadro, 50x40, antes de saber o que lá iria montar, pelo que meti logo mãos à obra sem fazer, nesse momento, a mais pequena ideia do que iria representar no palco, logo se veria.
Comecei então com um crochézinho para a cortina superior, achei que iria lindamente com o macramé nas laterais. Fiz assim uma tira rectangular.


Apesar de lhe ter feito umas ondas em baixo, achei que estava pobre… Queria um teatro majestoso... Pronto, estava definido o rumo, estava criado o ambiente, podia começar, enquanto ia adiantando serviço, a pensar no que lá iria pôr. Para embelezar a cortina superior, decidi assim fazer-lhe umas franjas e um cordão em frioleira… Cortei centenas de bocadinhos de fio para fazer as micro-franjas.



Depois, foi preciso coloca-las, uma a uma, para não dar um aspecto tosco, cerca de 6 a 8 fios em cada buraco da agulha. Nesta altura andava com o trabalho para todo o lado. Aqui estou eu na lavandaria… lol





A seguir fiz o cordão. A frioleira, em Portugal, faz-se tradicionalmente com uma navete. Nunca consegui utilizar aquele utensílio do demo. Tive ataques de raiva quando me tentaram ensinar, só me apetecia pegar na tesoura e cortar aquilo tudo… Só que gostava do efeito, pelo que fui pesquisar na Net se não haveria alguma forma de o simular. Então não é que também se faz frioleira com agulha?! Mandei logo vir umas quantas do eBay.



Depois de acabado o cordão foi cose-lo à parte de baixo da cortina, o que não só a embelezava mas também servia para tapar a base das franjas.



Para acabar, cortei as franjas.



Preparei então os “cabos” (lol) para o macramé. Como não sou, nem pouco mais ou menos, experiente nesta técnica, liguei à minha professora (hehe), a perguntar de que tamanho os cortar. Expliquei-lhe os nós que estava a pensar utilizar e ela disse-me a multiplicação. Depois perguntou de que tamanho era o projecto. Notem que estive a trabalhar para ela há uns tempos, na execução de peças para uma feira, que tinham seis metros de altura…  Quarenta centímetros, respondi. Nunca fiz nada tão grande, brincou ela. ;)




Só nesta altura me ocorreu um probleminha técnico; como que raio ia eu prender isto tudo à tela sem se ver?! Decidi assim cozer velcro à parte de cima da tela e ao crochet, o que iria também tapar a fixação das laterais em macramé.



Depois fiz mais uns cordões de frioleira e umas borlas, para prender as cortinas.



Neste ponto do campeonato já tinha uma ideia de como prosseguir. Primeiro pensei numa Columbina, com uma saia de balão, aos losangos de cores retro… Mas queria à força utilizar todas as técnicas e estava a faltar-me a tecelagem, que queria redonda. Pensei numa foca com uma bola mas cheirava-me demasiado a circo e eu detesto circo. Tive então a segunda inspiração divina… lol… Um alvo de atirador de facas. Veio-me à cabeça, por associação de ideias, quando estava a ver um filme sobre mágicos. Esqueci-me de tirar fotografias a todo este processo, às vezes acontece, quando me entusiasmo a trabalhar, depois fico furiosa porque me falta a documentação de parte do processo.  O resultado foi este.



Até aqui tinha sido trabalhoso, agora começava a ser difícil… A menina, como que raio vou eu fazer a menina...? O processo escolhido foi a feltragem com agulha, o mais versátil para este tipo de coisas. Mas como que raio se faz uma forma humana?! Lá fui eu à Net ver imagens de meninas várias... Na feltragem com agulha, tal como na pintura, começa-se com um “esboço” rápido e parte-se depois para o detalhe. Decidi meter mãos à obra sem a mais pequena noção de se ia conseguir produzir algo que se assemelhasse remotamente a um ser humano.






Nesta altura já lhe tinha espetado com a cabeça, que feltrei à parte. A rapariga mais parecia uma aranha com falta de patas… Ainda inspirada pelo filme de mágicos, serrei-a ao meio para lhe acrescentar o tronco.



                Fiz os pezinhos e as mãozinhas, juntei-os ao corpo e dei forma ao conjunto.




A menina estava nitidamente indecente, pelo que lhe tricotei um vestidinho.





Parecia a Sinead o'Connor, coitadinha. Bolas, o cabelo, a mulher precisa de cabelo, como é que não me lembrei antes?! Como que raio lhe vou eu fazer um capachinho? Fiz outra cabeça, para testes, e espetei-lhe com uns fios. Ficou horrível!!! (também me esqueci de fotografar…) Decidi assim pôr lã cardada, mais uma experiência falhada, parecia uma bruxa…  Surge  então outra ideia iluminada; se entrançar a lã, já fica com um ar arranjadinho. É isso, vai ser uma índia.







E pimba, com isto está definido o cenário. É um número de saloon, é só chutar-lhe com umas nuvens e um cacto. Ataquei-me então à feltragem molhada, que consiste em espalhar várias camadas de lã cardada, muito fininha, como base.



Depois faz-se o desenho com as cores por cima, fica assim com um ar esborratado.



A seguir tapa-se com uma rede, molha-se com água com sabão, e acaricia-se e esfrega-se com jeitinho, durante uma hora e tal, duas horas.



Depois enrola-se num rolo de piscina (há variantes) e fazem-se quatro sessões de meia hora a rola-lo para trás e para a frente, mudando de direcção entre cada uma. Passa-se por água quente, por água fria com vinagre, para cortar o sabão, espreme-se bem numa toalha... tudo isto sem fotos… ups...  e deixa-se secar.



Depois disto  estava pronto, era “só” montar, cozer tudo à tela.





Ups, faltam as facas… fazem-se umas com palitos pintados de preto, cartolina e papel de alumínio…




Depois de pronto, o quadro só me fazia pensar no Ritz Club, no Ritz Club da minha adolescência, antes de ser comprado pelo Vitorino e pelo Janita, nem sei se ainda existe. Muito gostava eu daquela grandeza decadente, do ambiente um bocado bas fond, da stripper velha e gorda, do malabarista que deixava cair os pratos, do galã com pinta de Rudolfo Valentino que cantava mal… nunca lá vi um atirador de facas, mas pode ter havido… Nomeei assim o  quadro, em homenagem.



Apresento-vos o RITZ CLUB



 Técnicas utilizadas:
  • Macramé
  • Crochet
  • Tricot
  • Tecelagem
  • Frioleira
  • Feltragem com agulha
  • Feltragem molhada